Uma sensação de estar dentro de um corpo que você não pode controlar. Segundo Carly Fleischmann,
é assim que o autismo a faz sentir. Essa foi apenas uma das revelações
sobre o que passa por detrás da mente autista que Carly conseguiu
revelar.
A sua história é a seguinte: durante os
primeiros 11 anos de sua vida, ela vivia grande parte do tempo imersa em
seu universo particular. O diagnóstico de que ela era autista foi
confirmado quando tinha 2 anos de idade. Os médicos explicavam que o
autismo a impossibilitaria de se comunicar e de ter uma vida normal,
além de dizer para os pais da menina que ela tinha um atraso mental que a
permitiria chegar somente ao desenvolvimento de uma criança de 6 anos.
No entanto, seu pai sempre soube que ela
estava ali, perdida atrás daqueles olhos. Até que um dia, Carly
subitamente se sentou no computador e digitou letras que formaram a
palavra HURT (dor, em inglês), seguida de HELP (socorro, em inglês). Ela
nunca tinha escrito nada na vida antes. Os pais de Carly então a
incentivaram a se comunicar novamente. Se ela quisesse algo, teria que
digitar o pedido. Alguns meses se passaram até que ela compreendesse que
se quisesse ser atendida, teria que digitar seu pedido.
Quando ela chegou aos terapeutas, ansiosos por avaliar aquele comportamento raro, as primeiras coisas que digitou foi: “Eu tenho autismo, mas isso não é quem sou. Gaste um tempo para me conhecer antes de me julgar.”
A partir daí, Carly começou a fazer algo inédito: revelar as explicações por trás de seu universo único.
Ela começou então a explicar mistérios por trás do seu comportamento de
balançar os braços violentamente, de bater a cabeça nas coisas ou de
querer arrancar as roupas: “Se eu não fizer isso, parece que
meu corpo vai explodir. Se eu pudesse parar eu pararia, mas não tem
como desligar. Eu sei o que é certo e errado, mas é como se eu estivesse
travando uma luta contra o meu cérebro.”
Eis algumas outras revelações sobre o universo autista feitas por Carly:
- A sensação que a obriga a agitar os braços freneticamente é de formigamento ou do braço pegando fogo;
- Ela às vezes tapa os
ouvidos e olhos para bloquear a entrada de informações em seu cérebro. É
como se ela não tivesse controle e tivesse que bloquear o exterior para
não ficar sobrecarregada.
- Ela diz que é muito
difícil olhar para o rosto de uma pessoa. É como se tirasse milhares de
fotos ao mesmo tempo, é informação demais para processar.
Mas não parou por aí: hoje ela tem
twitter e
facebook, onde conversa com pessoas e responde diversas dúvidas sobre o autismo. Com ajuda do pai, ela escreveu um livro chamado
Carly’s Voice. Ela
também contribuiu com informações para a criação de um site que simula a
sua experiência diária com toda a descarga sensorial que recebe em
situações cotidianos, como ir a um café. Veja como um autista se sente
apertando o play abaixo:
Se gostou da história, veja também a
resposta de Carly para perguntas de várias pessoas que vivem com
parentes ou amigos autistas, e que tiveram a primeira chance de entender
um pouco do universo deles:
- Meu filho de seis anos fica
triste e chora com frequência, e eu não consigo entender o porquê. Você
tem alguma sugestão de como eu posso descobrir o que está errado?
Carly: Pode ser muitas
coisas. Será que ele está tomando algum medicamento? Eu tive muitas
mudanças extremas de humor, como chorar e sentir raiva sem motivo, por
causa da medicação. Também poderia ser algo que aconteceu mais cedo ou
dias atrás e que ele está processando apenas agora.
- Alguma vez você gritou
aparentemente sem motivo? Por exemplo, você parecia feliz e relaxada,
mas de repente começou a gritar? Minha filha faz isso às vezes e eu
estou tentando descobrir o porquê.
Eu amo esta pergunta. Ela está fazendo
uma filtragem dos sons e quebrando os ruídos e conversas que tem ouvido
ao longo do dia. [O cérebro dos autistas funciona de maneira
diferente e se sobrecarrega com estímulos externos, como sons, luzes,
imagens e cheiros. Gritar, tapar os ouvidos, fazer ruídos ou movimentos
repetitivos, segundo Carly, são uma forma de bloquear esses estímulos e
se concentrar em apenas um]. Além dos gritos, você pode nos ver
chorando ou rindo, tendo convulsões e até manifestando raiva. É a nossa
reação ao, finalmente, entender as coisas que foram ditas e feitas no
último minuto, dia ou até mês passado. Sua filha está bem.
- Será que você poderia me dizer
por que meu filho de quatro anos de idade (que tem autismo) grita no
carro cada vez que paramos em um semáforo. Ele está bem e feliz enquanto
o carro se move, mas, uma vez que paramos, ele grita e faz uma birra
incontrolável.
Eu amo longas viagens
de carro, elas são uma ótima forma de estímulo sem você precisar fazer
nada. O movimento do carro e cenário visual passando por ele permite que
você bloqueie qualquer outra entrada sensorial e se concentre em apenas
uma. Meu conselho é colocar uma cadeira de massagem no banco do carro.
Assim, quando ele parar, seu filho ainda estará sentindo o movimento.
Você pode também colocar um DVD mostrando um cenário em movimento.
- Você pode descrever como se sente por dentro? Você acha que é diferente de crianças que não têm autismo?
O problema é que eu não sei o que as
outras crianças sem autismo estão sentindo. Eu tenho lutas comigo todos
os dias, desde que acordo até a hora de ir dormir. Não posso nem ir ao
banheiro sem dizer a mim mesma para não pegar o sabonete e cheirá-lo ou
sem lutar comigo mesma para não esvaziar todos os frascos de xampu.
- Existem coisas que você
considera mais desafiadoras, como abotoar sua roupa ou cortar a comida
com uma faca? Por que você acha que não pode fazer esse tipo de coisa? O
que acha que poderíamos fazer para ajudar?
Algumas coisas eu acho que posso fazer,
mas é preciso muita concentração para isso. Ficar sentada e digitar é
algo muito avassalador para mim – eu preciso fazer pausas e dizer a mim
mesma para fazê-lo. Eu não acho que as pessoas realmente sabem como é
difícil. Parece tão fácil para todo mundo, mas é como falar três línguas
ao mesmo tempo.