segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A LEI DA SELVA


Certa vez, quando ainda não se falava em aquecimento global, aconteceu uma tremenda seca na selva seguida da morte animais de grande e pequeno porte. A fome e a sede aumentavam a cada dia. Preocupado, o rei Leão mandou reunir toda a corte, seus ministros, secretários, delegados, legisladores e juízes.

- Estamos vivendo um mau momento – disse o Leão - fome, peste e sede. E creio que isto seja um castigo dos céus! Confesso que sou o maior responsável, pois sempre assassinei cabritinhos indefesos e devorei carneirinhos...

Nessa altura, a esperta chefe de gabinete, dona Raposa, interrompeu o supremo mandatário da selva:

- O que estais a dizer, glorioso rei Leão? Para os carneirinhos é uma glória imerecida passar por vossas gloriosas unhas; para os cabritinhos, seres inferiores, é um prêmio alimentar vossas fauces e contribuir para a energia de vossa augusta majestade. Oh, salve! salve! Nada tendes que confessar ou arrepender. Eu sim tenho meus crimes, pois invadi galinheiros e destrocei inocentes galinhas, vetustos galos e implumes pintainhos!

- Escrúpulos de um coração bem formado, dona Raposa – disse o ministro das relações exteriores Dr. Tigre. Matar pintainhos, galos e galinhas não constitui crime. Concorre para a espécie atenuantes, imputabilidade e outros institutos jurídicos. Morrer é o tributo que as aves das granjas adjacentes pagam para o equilíbrio da vida na floresta. Eu é que sou um celerado criminoso: tenho atacado seres humanos, destruído muitas vidas e espalhado o terror nas aldeias indígenas.

- Que tolice, mestre Tigre – disse a presidente da Tribunal lady Hiena. Estás apenas retribuindo o mal com o mal. Olho por olho, dente por dente! Os seres humanos agridem a natureza, maltratam animais e merecem que tua ira santa caia pesadamente sobre suas vidas! Na verdade, a culpada de tudo sou eu mesma, que amedronto a todos. Alimento-me de seres vivos e de carniça, grito desesperadamente, imito choro de crianças para enganar os caçadores.

- Não! – gritaram todos. Não, não e não! Lady Hiena é inocente, ela só pensa no bem e, quando come carniça, está cuidando da limpeza da selva. Lady Hiena é inocente!

Nesse ponto, o Jumento aproximou-se claudicante e confessou:

- Quero declarar meu crime... Após um longo dia de trabalho, voltando para minha choupana, passei por uma plantação de milho. Estava faminto, pois nada comera desde cedo... não resisti. Vi uma bela espiga de milho... arranquei-a

- O que? – disse a Raposa. Roubou uma espiga de milho??

- Arranquei-a e comi !

- Roubou e comeu uma espiga de milho?? Vociferou o Tigre.

- Tem coragem de confessar esse crime hediondo? gritou a Hiena em tom denunciatório. Quid júris???!!!

E o Macaco que (diga-se de passagem) acumulava o cargo de Defensor Público com o de Presidente do Presídio Florestal) dava pulos no ar, gargalhava e gritava:

- Roubou uma espiga! Roubou e comeu! Crime hediondo! Responsabilidade fiscal!

- Então é por isso que temos muitas pestes! Gritou o rei Leão. Eis a causa de tanta fome, tanta sede e tantas mortes! O Jumento roubou e comeu uma espiga de milho! Que seja condenado à morte!

- Apliquemos a lei!! À morte! – gritaram todos. À morte! À morte!

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Comentando essa fábula com um amigo, ele ensinou-me a visão de Sólon, (638 a.C. – 558 a.C.) sobre a justiça. O sábio legislador grego dizia que as leis são semelhantes à teia da aranha que retém os pequenos insetos enquanto os grandes a transpassam e ficam livres. Um minúsculo e inofensivo inseto cai na teia, fica grudado nela e, em poucos minutos, a aranha desperta de sua letargia e avança sobre a presa; envolve-a com seus fios pegajosos, devora-a ali mesmo ou deixa a presa para o jantar. Logo depois vem voando em disparada um perigoso morcego hematófago. Ele atravessa a teia, nem percebe e que ela existe – na verdade destrói a teia, e leva a aranha de roldão.

Todos as fábulas, lendas e alegorias - por mais antigos que sejam, encerram explicações para os fatos que observamos no cotidiano. Quem tiver olhos para ver e ouvidos para ouvir que entenda. Os que conhecem as constituições, os regulamentos e as leis presenciam atos indecorosos praticados debaixo de seus narizes. Das duas uma: ou pensam que somos bobos, cegos e surdos, ou confiam na força bruta com que manipulam as leis.

"Pau que bate em chico não bate em francisco", diz o novo ditado.

(José Maurício Guimarães)